4 de mar. de 2012

EU HOJE AINDA NÃO BEBI

Eu o encontrei vagando pelas ruas da cidade. Seu rosto triste aparentava a angústia vivida por muitos anos, seu olhar vazio, traduzia a falta de esperança para o depois, parou no tempo. Tinha como obrigação diária, a frequência numa vendola da esquina, também precária como o seu estado físico. As suas amizades eram aqueles que perambulavam pelas calçadas a procura do nada, os que não tiveram o ontem e, possivelmente, não teriam o amanhã. A sua dormida proviória, era um carro velho abandonado próximo à minha residência, até quando alguém o tirasse de lá, pois já estava atrapalhando o trânsito.

Pobre criatura, prosseguir para que lugar, qual seria o seu destino? Nas rodas dos amigos, certa feita, eu o vi sorrir como ninguém, talvez tivesse razão para fazê-lo, afinal eles se entendiam.

Um certo dia cruzamos os caminhos, e ele, olhou-me, desprezivelmente, como se pensasse: esse é mais um burguês que infesta a nossa cidade e o governo não toma nenhuma providência! Outra ocasião, postado à minha janela, de madrugada, quando surpreendera um marginal tentando roubar o meu veículo, o vi saíndo do carro velho abandonado na rua e, apesar do acontecido, não chamou a sua atenção. Foi como não estivesse presente ou então, fatos com este, fossem por demais corriqueiros em sua vida.

Várias vezes tive o desejo de abordá-lo para falar do seu passado, dizer que eu fui o seu vizinho, que ele foi inquilino de Dona Júlia, minha avó, casa situada no topo de uma colina e rodeada de arbustos, onde as pessoas eram iguais e as crianças acreditavam no futuro. Contar de tudo que lhe pudesse interessar e alegrar, porém, o tempo inimigo daqueles que tentam a luta pela sobrevivência, impedia que assim eu o fizesse.

Certo dia, fugindo à rotina, inesperadamente, o interceptei: Radi! Ele parou, continuei a falar: você não me reconhece, eu sou o Cacá, fomos crianças juntos; O seu nome próprio é Radiomar, porém, o chamei pelo apelido para lembrar os seus pais que assim o chamavam. Você morou próximo a mim. Lembro-me bem  quando você nasceu, a alegria foi tanta de todos os seus, que eu até tive inveja, eu era muito pequeno, porém, recordo que o meu mano mais velho lhe batizou. Seus pais, eufóricos, quiseram lhe dar o nome de Boa Ventura a fim de lhe proporcionar mais sorte, já que era também o nome do seu genitor.

Constantemente as nossas famílias se reuniam para fazer alguma festa em sua homenagem. Diva, sua mãe, faleceu cedo, você deveria estar com seis e eu com doze anos, aproximadamente. Você continuou em companhia de seu pai. Eu, pouco tempo depois, me afastei e nunca mais o vi. Agora, porém, depois de longo tempo, tive a satisfação de lhe encontrar, rever o velho companheiro de infância: o Radiomar ou Radi de Boa Ventura. Como está você, em que posso servi-lo, o que quer de mim? Ele olhou-me detidamente com a expressão de súplica e disse:  Moço, me dá um dinheiro aí para eu tomar um trago, minha gargante está seca, eu hoje ainda não bebi!...     

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