Engraçado foi o que aconteceu naquela cidadezinha do interior baiano, nos idos de mil novicentos e quarenta e oito. A população era estimada em trinta mil habitantes, onde as principais distrações eram, um precário cinema, um bilhar no bar da esquina e a abilhudice à vida dos vizinhos. Namorar não passava de apertos de mãos, pelo menos em praça pública, porque moça que se prezava, não ficava no escuro e não podia agradar namorado ou noivo na presença de olhares curiosos.
Os encontros eram de preferência, no banco do jardim ou na porta da casa da donzela e, porque não dizer: bem afastados um do outro. Felizes eram aqueles que podiam manter relações amorosas, sem dar a perceber aos olhares maliciosos e isso só podia acontecer no mais absoluto sigilo.
A singela cidade tinha um prefeito, três vereadores, um delegado, quatro praças e dois guardas noturnos. O chefe da Comuna, por exercer cargo político, era maleável, cordato, acessível, a fim de alcançar um maior número de adeptos; não acontecendo o mesmo com o chefe policial, homem sisudo, intransigente, que chegava ao extremo da integridade policial, não admitindo mal feitos, mesmo pela primeira vez ou a título de brincadeira. Camarada que não procedesse corretamente dentro da comunidade, seria enquadrado, e se viesse a se rebelar, seria conduzido a xilindró.
Certa feita, um amigo se fez de valente e começou a praticar desatinos. Logo que o delegado tomou conhecimento, o prendeu em flagrante. Resultado, quatro dias de xadrez. Não havia jeito de não aceitar a situação. O homem era mesmo fora de série. Estava sempre no cumprimento do dever. Esse delegado passava o dia inteiro na Delegacia e à noite, dava rondas na pracinha, deixando um soldado de prontidão no órgão central.
Existia um cidadão, filho da comunidade, fazendeiro abastado, chamado José Prudente, homem cauteloso, discreto, ponderado. Muita gente o admirava e gostava também da sua namorada, a Clotildes, moça atraente e de boa reputação. Os dois se namoravam no banco do Jardim com todo o respeito, há algum tempo e os seus passeios normais, tinham como ponto culminante, a Pensão de Dona Maria, pois ambos eram hóspedes. Bem verdade que cada qual tinha o seu quarto (durante o dia) pois quando a noite chegava, depois do passeio de costume, quando eles voltavam à pensão, o Prudente, com muita cautela, conseguia ultrapassar o tabique que servia de divisória e penetrava no quarto da amada, passando as noites com a mesma. Mal sabia que em certa posição do quarto, havia uma abertura, onde poderia ser observado. O tabique não atingia a parte superior do teto e por isso permitia uma ótima ventilação. O Sr. José , porém, estava certo de não haver olhares curiosos, porque o quarto era contíguo a outro de um dentista de bom caráter e amigo do delegado Florentino, a quem o Sr. Prudente devotava a mais respeitosa admiração.
Certo dia, depois do habitual passeio no jardim, o casal recolheu-se, cada qual no seu aposento e depois da meia noite, a cena se repetiu, o Sr. Prudente, prudentemente, subiu no tabique e rapidamente alcançou o outro lado e aos beijos e abraços aconchegou-se ao seu amor. A praça, na altura dos acontecimentos, dormia um sono tranquilo. O guarda noturno anunciava sinais de vigilância. O Sr. Prudente, naquele instante, desfrutava momentos deliciosos, sentia-se protegido e muito mais seguro.
De repente, forte barulho ressoou no quarto ao lado, pertencente ao cirurgião-dentista, em direção a abertura, como se alguns objetos tivessem tombado ao solo com muita violência e o casal voltando o olhar para a parte superior do tabique, divisou o chefe da comuna, o chefe policial, o dentista e os demais políticos da região que, através da abertura estavam a bisbilhotar a vida íntima dos dois. Em ato reflexo, o Sr. Prudente gritou: Sr. DELEGADO!...E tristemente pensou: a quem pedir proteção contra essa abertura?